Combater as alterações climáticas combatendo a desigualdade de género

2021-04-05 · Verónica Mendes Pedro

Quando se fala em alterações climáticas, existem várias soluções que nos ocorrem logo. Porém, normalmente não é incluída uma solução que pode significar o sequestro de 85 gigatoneladas de CO2 equivalente até 2050: o combate à desigualdade de género.

As alterações climáticas são dos maiores problemas que enfrentamos como sociedade, e atualmente todos já ouvimos falar das clássicas soluções: plantar árvores, investir em energias renováveis, reduzir o consumo energético, reduzir o desperdício alimentar…

Porém, os problemas sociais e ecológicos vêm quase sempre de mão dada, assim como com as respetivas soluções. Este artigo pretende aprofundar como a resolução de três problemas relativos à desigualdade de género é tão significativa para o planeta. Apesar desta desigualdade parecer à primeira vista meramente social, a resolução destes problemas estão no top 5 das medidas mais importantes para o combate às alterações climáticas, podendo sequestrar até 85.42 gigatoneladas de CO2 equivalente até 2050 [1].

1) A enorme desigualdade que existe em países mais pobres

Nestes países as mulheres constituem cerca de 43% dos trabalhadores agrícolas de pequena escala produzindo, em zonas mais pobres, cerca de 60% das plantações [2,3]. No entanto, não possuem as mesmas oportunidades e recursos que os homens, o que se traduz em menos acesso a terras, a fundos, a educação e a tecnologia.

Se não houvesse desigualdades de género, ou seja: se as mulheres fossem reconhecidas como agricultoras, proprietárias e gestoras dos terrenos [4]; se tivessem mais treino com técnicas sustentáveis, assim como o acesso a recursos e a novas tecnologias; e se fosse incentivada a criação de grupos e de cooperativas de mulheres agricultoras, estima-se que com condições idênticas às dos homens, as mulheres consigam um rendimento semelhante ao destes, ao invés do rendimento atual, cerca de um terço inferior.

Com estas medidas implementadas as colheitas iriam aumentar de 2.5% para 4% e a percentagem de pessoas mal nutridas a nível mundial iria diminuir de 17% para 12% [5]. Estas melhorias seriam possíveis sem um aumento da área de solo explorado para a agricultura, o que significa que poderíamos aumentar a quantidade disponível de alimentos evitando a desflorestação, podendo reduzir a poluição em cerca de 2.1 gigatoneladas de CO2 equivalente até 2050.

Outro incentivo para lutar contra esta desigualdade envolve o facto de as mulheres reinvestirem mais do seu rendimento na comunidade. Em média, quando é possível haver condições iguais para ambos os géneros, estima-se que as mulheres reinvistam cerca de 90% do seu rendimento em saúde, educação e na alimentação das suas famílias e comunidades, enquanto o reinvestimento médio dos homens é de 30%-40%. Este investimento permite uma vida mais digna e um maior desenvolvimento destas comunidades [1].

2) O planeamento familiar

O impacto ambiental é aproximadamente proporcional a três fatores: o volume populacional, o seu nível de consumo e a tecnologia disponível. Apesar dos países subdesenvolvidos terem, por norma, um volume populacional substancialmente maior que os países desenvolvidos, estes últimos têm um consumo de recursos muito mais elevado, o que aumenta significativamente o seu impacto [6]. Assim, e embora os três fatores acima referidos sejam muito importantes, este artigo vai somente abordar a questão do aumento populacional.

Prevê-se que até 2050 a população mundial aumente para 9.7 mil milhões de pessoas, pelo que é através do planeamento familiar que asseguramos que esta taxa de crescimento diminua.

Deste modo, o planeamento familiar é crucial, qualquer que seja o país de que estejamos a falar. Mesmo nos Estados Unidos, um país desenvolvido com acesso geral a métodos contracetivos, cerca de 45% das gravidezes não são planeadas [7].

Por conseguinte, o que é necessário fazer para haver um acesso universal ao planeamento familiar? É preciso ultrapassar barreiras logísticas, culturais e religiosas, principalmente nos países em desenvolvimento. Estas medidas, por exemplo, consistem em facilitar a obtenção de métodos contracetivos, proporcionar o acesso a cuidados médicos, providenciar educação sexual culturalmente apropriada, e, por fim, facilitar a aceitação destas medidas pelas comunidades.

Se conseguirmos generalizar o planeamento familiar, teremos benefícios ambientais com poupança de recursos, assim como mais saúde, bem-estar, esperança média de vida e maior desenvolvimento social e económico.

3) A educação feminina: a solução mais impactante, que sozinha é capaz de sequestrar 59.6 gigatoneladas de CO2 equivalente

A educação feminina traz inúmeros benefícios sociais: as mulheres alcançam salários maiores contribuindo para um maior crescimento económico; a probabilidade de casar e de ter filhos sem consentimento é menor; a mortalidade infantil e maternal diminui; a incidência de doenças diminui; a agricultura é mais produtiva, reduzindo a malnutrição na população; assim como o aumento da emancipação feminina.

Em termos de sustentabilidade, a educação traz um benefício evidente: a redução da natalidade. Quanto melhor a educação da população, menor o número de filhos que cada mulher vai ter: em média, há uma diferença de 4-5 filhos entre uma mulher sem acesso a educação comparativamente a uma que tenha tido 12 anos de educação [8]. Isto deve-se tanto ao melhor acesso a métodos contracetivos e a planeamento familiar, como à possibilidade de um papel social novo que ultrapasse o papel tradicional da mulher.

Outro aspeto relevante é o desenvolvimento das comunidades em países menos desenvolvidos. Mulheres com mais anos de educação não só são capazes de utilizar o conhecimento empírico, passado de geração em geração, da natureza e do ambiente em que vivem, mas também de complementar com o conhecimento adquirido. Isto implica um desenvolvimento da comunidade e um aumento de produtividade.

Por fim, um aumento na educação adquirida implica uma maior capacidade de preparação e de reação contra desastres climáticos. Assim, a probabilidade de membros da comunidade serem feridos, mortos ou de terem de se realocar é menor.

Em conclusão, de modo a conseguirmos mitigar as alterações climáticas e outros problemas ambientais, é fulcral não nos concentramos apenas em soluções tecnológicas, mas considerarmos também a resolução de problemas sociais como uma prioridade.

Referências

[1] Project Drawdown Table of Solutions

[2] FAO - News Article: Women hold the key to building a world free from hunger and poverty

[3] Women, agriculture and food security: FS FS 07-E

[4] The gender gap in land rights

[5] “Drawdown: The Most Comprehensive Plan Ever Proposed to Reverse Global Warming”, autor: Paul Hawken

[6] List of countries by ecological footprint

[7] Project Drawdown Solution: Health and Education

[8] Women’s educational attainment vs. number of children per woman