D'AÇO

2021-04-10 · Joana Santos Belo

Como vais fazer a tua casa? E como a vais reciclar? O arquiteto Rafael Freitas fala-nos sobre o projeto inovador da sua start-up D’AÇO e sobre sustentabilidade na construção e habitação.

Resumo

A D’AÇO é uma startup de investigação, projeto e construção em LSF (Light Steel Farming) focada em criar soluções sustentáveis. Neste momento, a DAÇO propõe inovar aliando a estrutura em LSF, em aço leve, a uma construção no estilo passive house [1], cumprindo os requisitos da União Europeia quanto à eficiência energética dos edifícios. As construções trarão benefícios ecológicos e económicos em todas as etapas do processo, desde a poupança nas peças feitas à medida, sem desperdícios, ao eficiente transporte de materiais leves e à rapidez de execução. Na perspetiva de ser uma passive house terá ainda um consumo energético de cerca de 10% do consumo de uma casa construída com os métodos de alvenaria tradicionais. Todo o processo de construção da primeira casa da D’AÇO pode ser acompanhado nas redes sociais Facebook e Instagram. Curiosa quanto a esta startup e o seu atual projeto, a Joana Santos Belo, membra do AmbientalIST, entrevistou o Rafael Freitas, arquiteto e um dos fundadores da DAÇO. O Rafael fala-nos sobre a primeira casa da D’AÇO, em construção, sobre o método construtivo inovador que a empresa procura implementar e possíveis aplicações e sobre a importância de ponderar como será o ciclo de vida das nossas casas.

Entrevista

Queria começar por perguntar como surgiu a vossa ideia e o que vos leva a acreditar que este tipo de construção terá procura em Portugal?

A dada altura da nossa vida temos de pensar em fazer a nossa casa ou alugar a nossa casa. Eu e a minha esposa, como arquitetos, há muito tempo que pensávamos: “Nós que desenhamos casas para as outras pessoas, de que forma é que vamos conseguir escolher a nossa própria casa? No mercado há tanta coisa e tanta oferta, o que é que é importante para nós?” E nós estamos a viver uma transição energética e uma transição ambiental, é impossível passarmos ao lado disso e não pensarmos no impacto das decisões que estamos a tomar. E quanto à casa também foi assim. Pusemos logo de parte a construção tradicional pela questão do impacto ambiental. A construção tradicional tem um problema muito grande: não se consegue desmontar de forma fácil e reciclar no final da vida. Ou seja, monta-se uma casa em betão e em tijolo, no final essa casa vai ser entulho, vai ser lixo. Mas vai ser um lixo que não é aproveitado para mais nada, é o fim. Ou seja, gastou-se aquela energia para nada. Aqui em Ponte da Barca, a cada três casas só uma é que está ocupada. Portanto nós já temos excesso de casas. Esse problema do que é que se vai fazer com as casas que foram construídas em tijolo já existe e já vai ter impactos ambientais. E como o mercado aqui ainda funciona muito para se querer fazer casa nova, porque há muito espaço livre e há muitas pessoas com terrenos (a opção mais barata continua a ser ter-se terreno e fazer-se a casa), nós precisávamos de criar uma lógica de construção nova que tivesse menos impacto ambiental do que a que existe neste momento. O aço leve e a madeira estavam na balança e pesou para o aço leve, não tanto pelo impacto ambiental, porque apesar de tudo a madeira consegue ter um impacto ambiental menor. Mas o aço leve tem outras garantias de durabilidade e de reciclagem futura e ponderámos também o aspecto de maior confiança no produto. Porque acontece muito que nós, enquanto arquitetos, tentamos apresentar uma estrutura de madeira a um cliente e o cliente mostra-se muito cético. Percebemos que o mercado ia aceitar melhor o aço do que a madeira. Então apostámos no aço para a nossa casa porque acreditámos que as pessoas também iam confiar: se nós os dois, um casal de arquitetos, escolhemos o aço para casa própria, é sinal de que o aço tem alguma vantagem. E a partir daí falámos com um amigo, o Renato Fernandes, que também está ligado à área da construção. Numa conversa banal de café, dissemos “Olha, existe esta possibilidade de construir em aço leve, estás interessado na montagem?” E começámos a procurar onde é que havia empresas que davam formação. Ainda havia poucas opções, mas há em Leiria um arquiteto brasileiro, que se chama Renato Rayol, que começou a fazer formações de técnicos de montagem e de projetistas e nós fizemos um curso. Ficámos com know how e pensámos “Acho que estamos prontos para começar agora com esta primeira experiência.”. E lançámos-nos a fazer a minha casa. Sendo eu a primeira cobaia, se corresse mal, corria mal para mim. Penso que é importante esta sinceridade, estarmos a mostrar e a tentar explicar também aos clientes quais são os problemas. Porque às vezes mostrar apenas as vantagens não tem grande grande interesse do ponto de vista da credibilidade comercial. Eu acho que nós ganhamos mais em mostrar tudo, o que é fácil e o que não é fácil, para criarmos outra imagem. No fundo, tentamos que esta empresa seja mais direta, mais comunicativa e mais transparente, é esse o objetivo.

Eu não sabia que a casa que está a ser construída ia ser a vossa casa. Isso dá de facto confiança. Mas então já agora na lógica de vantagens e desvantagens, se um cliente pedir uma desvantagem, o que dirias?

Eu diria que a desvantagem é a questão térmica. O aço é um péssimo isolador, tem uma elevada condutividade térmica quando comparada com a da madeira, por exemplo. Portanto o próprio material tem limitações do ponto de vista térmico.

E isso não é ultrapassável pelo revestimento?

Sim, por isso é que quando nos propusemos a construir em aço, ao perceber essa limitação, dissemos “A D’AÇO só pode fazer estruturas que tenham ao mesmo tempo um projeto térmico que anule a deficiência térmica do aço”. Então o que criámos foi um pack, o nosso objetivo é que não haja nenhum projeto da D’AÇO que seja mau termicamente.

No global, nós estamos a oferecer um produto que no final funciona muito bem. E funciona melhor do que qualquer outro sistema comum que existe em Portugal. Porém, o aço por si só tem esse handicap, tem essa dificuldade térmica.

Outro dos problemas que o aço pode trazer é a questão do preço de mercado, porque o preço do aço depende dos mercados internacionais. E isso pode criar-nos alguma dificuldade de competitividade. Portanto outro dos problemas eu diria que é a questão da oscilação do preço, é um material um bocadinho instável no mercado. A tendência é sempre ir subindo, mas a subida não é previsível. Por exemplo, este ano, desde o início do ano, tanto quanto sei, já houve uma subida de cerca de 30 cêntimos por quilo, que custa normalmente um euro. Trinta cêntimos quando estás a falar de uma ordem de grandeza de um euro faz muita diferença. O segredo é economizar e tentar que não haja desperdício. Jogar com isto de se ter um projeto em que se sabe exatamente de quantos quilos de aço se vai precisar. O mesmo se aplica ao restante material, sabes que precisas de x parafusos, por exemplo. Este tipo de construção permite um rigor de orçamento difícil de observar na construção tradicional, em que encomendas materiais a mais e em que o preço que dás ao cliente é um preço com fator de medo, dás mais uns 10% só para o caso de algo correr mal.

Porquê em Ponte da Barca? Penso que já percebi: moram aí e o terreno…

Moramos aqui e é a questão de que o mais fácil ainda é ter um terreno para fazer uma casa. Nós os dois sócios fundadores, eu e o Renato, somos daqui, a Mariana, minha esposa, é de Coimbra mas também está cá a morar desde que começámos a procurar emprego e percebemos que por vezes há oportunidades de emprego em meios pequenos, nesta área da arquitetura sobretudo, porque aqui há esta questão da construção nova. Por vezes achamos que as grandes oportunidades só estão nas cidades e possivelmente nós é que não estamos a procurar de forma acertada. É uma questão de procurarmos de forma diferente porque há oportunidades em todo lado e em todo o território português.

A conclusão da obra está prevista para o verão?

Sim. Posso explicar que neste momento só temos cinco dias de montagem e a obra está numa fase em que talvez mais uns dias e fica revestida. O que acontece é que apesar de ser um projeto que estamos interessados que avance, temos outros compromissos profissionais. Para já, estamos a tentar fazer isto numa lógica de hobbie, para não apostarmos demasiado num projeto que é, apesar de tudo, um risco. Apesar de toda a confiança que nos têm dado, e já temos uma série de encomendas, é um risco. Portanto, pareceu-nos que a forma mais acertada era dedicarmos um dia por semana à obra. Depois, falar com clientes e dar orçamento acaba por ser no resto dos dias. Isso também permite que as pessoas tenham mais tempo para assimilar. Imagina, se nós tivéssemos feito os cinco dias seguidos, possivelmente também não tínhamos tido tanto impacto a nível de comunicação. Acontecia tudo demasiado rápido. É quase como ver uma série, vejo o episódio um, depois quero saber o que vai acontecer a seguir, há algum suspense. Eu acho que isso também ajuda quem quer acompanhar a obra online. O timing é o certo, um dia por semana. Como a obra evolui tão rápido, num dia de montagem acontece tanta coisa quando comparado com um dia numa obra normal, é preferível para já mantermos este ritmo. Porque no fundo nós estamos ainda na fase de marketing. Estamos a tentar criar credibilidade, que é o que uma empresa precisa quando começa. Precisa de credibilidade, precisa de fazer experiências, de otimizar e de aproveitar estas primeiras oportunidades para cometer alguns erros e também para saber como é que eles se corrigem.

Mesmo assim, as pessoas devem ficar um pouco céticas quanto à ideia de ter uma casa feita numa estrutura tão leve…Como é que pensam combater isso?

Eu acho que tem a ver com ir conquistando a confiança obra após obra. Não há propriamente uma fórmula. Há a confiança estrutural: já foram feitas várias experiências laboratoriais por pessoas que montaram estruturas de sete, oito andares, fizeram simulações sísmicas, em cima de plataformas, etc. Nós sabemos que o aço leve tem uma enorme resistência. Por exemplo, as pontes; tens aí em Lisboa a Ponte 25 de Abril, que é toda em aço. O aço em si é um material super resistente. Esta questão de não confiar no aço não faz sentido. Acontece que as pessoas por norma não confiam no que é novo. Mais do que não confiar no aço, é não confiar no diferente e o diferente precisa de tempo. Por norma nós temos mais facilidade em convencer pessoas bem informadas do que pessoas mal informadas. Quando se está a expôr uma coisa com argumentos válidos e se tem do outro lado um cliente que está disposto a ouvir argumentos e a pensar neles isso facilita. Por norma nós conseguimos convencer esse tipo de cliente. O cliente que é mais difícil de convencer é o cliente mal informado e que está à procura da solução mais low-cost do mercado e não quer saber como é feita nem como não é, está mais à procura do preço e de despachar, não propriamente a pensar no que está a comprar. Portanto, a estratégia desta empresa passa por perceber que os primeiros clientes têm de ser selecionados e têm de ser pessoas que compreendam as vantagens, porque são esses clientes que vão dar depois credibilidade aos clientes seguintes. Se tivermos um primeiro leque de quatro, cinco, seis clientes que fizeram a obra connosco, gostaram e perceberam as vantagens, eles vão ser “agentes” publicitários. Eles vão passar a mensagem, vão dar credibilidade. Penso que é passo a passo. E eu não estou muito preocupado com a questão de ter de convencer uma massa inteira de pessoas que este é o melhor sistema. Até porque este não é o melhor sistema, este é um dos sistemas válidos. Também não vale a pena nós termos esta atitude de que o futuro tem de ser por aqui. Não. O futuro tem de ser sustentável. Se for por aqui, é sustentável. Mas há outras formas de ser sustentável, não tem de ser esta. Esta foi a solução que nós encontrámos, mas no dia em que aparecer uma solução, ou em aço ou noutra coisa qualquer, que faça mais sentido para nós, possivelmente avançamos por aí. O objetivo principal é conseguir um compromisso entre uma coisa que seja eficiente do ponto de vista energético mas também que faça sentido para o mercado. Não vale a pena criarmos uma coisa super ecológica e que depois o mercado não consiga compreender as vantagens e não queira adquirir. Para conseguir hoje esta coisa da transição energética, nós temos que fazer isso mesmo: uma transição. Não podemos fazer uma rutura. Por isso é que se chama transição. Então e se eu fizesse já um projeto super super ecológico? Eu tenho uma base teórica para o fazer, mas seria uma total ruptura com o que já existe e o mercado não ia aceitar e a mudança não ia acontecer. Portanto, eu acredito que o aço é o melhor sistema para a transição energética.

Como seria esse projeto super ecológico?

Tinha de se pensar muito mais na questão das soluções passivas. Tinha de ser uma casa que, do ponto de vista energético global, praticamente não precisasse de consumo de água, porque tinha sistemas de captação de água própria, de filtragem; não precisava de aquecimento, porque tinha sistemas passivos… Existe, por exemplo, uma coisa que se chama paredes de trombe, que são umas paredes que fazem aquecimento e arrefecimento da casa, sem consumo energético. Já existe uma série de soluções testadas há muito tempo com as quais nós poderíamos ter casas que não gastariam energia e que não gastariam recursos, mas são demasiado utópicas e são demasiado desconfortáveis para o mercado. E o mercado para já ainda não está para aí virado. Portanto tem de ser assim, pelo menos é essa a nossa convicção. A transição tem de ser com soluções que sejam semelhantes ao que nós já conhecemos mas que deem um passo rumo à sustentabilidade. Se conseguirmos pôr as pessoas a andar no sentido da sustentabilidade, os passos seguintes serão mais fáceis de dar. As pessoas já se vão aperceber de que o desperdício de obra é uma coisa importante e que talvez estivesse a acontecer muito desperdício de materiais, muito consumo da água em obra, muitas emissões de CO2 na produção de coisas, do cimento, por exemplo, e que não faz sentido. Nós não vamos salvar o mundo, não temos essa pretensão. Mas talvez se tivermos esta postura de ir alertando que existem os problemas, as pessoas também vão querer procurar soluções. Só procuramos soluções a partir do momento em que percebemos que realmente há problemas. E muitas das pessoas em Portugal ainda nem sequer se aperceberam de que a forma como estamos a construir é um problema. E é.

Isso é muito interessante, quando se ouve falar sobre medidas a tomar a nível de sustentabilidade, raramente as pessoas se lembram “Como é que fizeste a tua casa? Como é que planeias fazer a tua casa?”

E como é que planeias desfazer a tua casa, que é uma coisa muito importante.

A casa é tão fácil de montar quanto desmontar? Na lógica de andar com a nossa casa atrás.

Sim. A ideia é que seja fácil de desmontar e que seja totalmente separável. Que em termos de reciclagem seja mesmo possível fazer uma reparação total dos resíduos no final.

A obra está a ser auxiliada por uma arquiteta com formação em passive house, que é a Mariana Campos…

A Mariana é a minha esposa. Isto é tudo em família. A Mariana está muito ligada a esta questão das preocupações ambientais e também da reabilitação urbana e tem algumas obras nesse sentido. A certificação passive house, apesar de já existir há muito tempo em Portugal, ainda é muito pouco aplicada. Pareceu um bom próximo passo. E agora a Mariana está a tentar que esta seja a primeira passive house em LSF em Portugal, a primeira casa construída neste sistema construtivo, que tem a eficiência energética mais alta do mundo.

Sendo assim, e considerando as competências da equipa da D’AÇO, depois de teres a tua casa construída, ainda vais precisar que alguma entidade a certifique?

Sim, nós dependemos de testes da Associação Passive House. Há um laboratório técnico em Coimbra que trabalha nesta questão de testar casas e soluções construtivas e vão fazer numa fase final um teste de pressão de ar. Vão pôr na nossa casa uma máquina, que é basicamente um insuflador, e se a casa verter ar por algum buraquinho que seja, não passa no teste. A casa tem de ser completamente fechada, como se fosse uma bola de futebol. Numa casa tradicional em Portugal, se se quiser ventilar, abre-se a janela. No Inverno, perde-se calor ao abrir essa janela, ou seja, ganha-se em qualidade do ar mas perde-se em eficiência energética. A passive house faz esta renovação de ar de uma forma que não perde calor, o segredo chama-se VMC, que é uma ventilação mecânica controlada. Consegues uma renovação sem perdas de calor e sem consumo energético, que é uma coisa muito fixe. Depois há outras coisas mais indiretas como o ganho solar das janelas, para onde é que se vira as janelas, como se sombreia… mas isso são subtemas da passive house que têm de se ir afinando.

Isso leva-me a outra pergunta, a D’AÇO vai oferecer um conjunto de modelos entre os quais os clientes podem escolher ou estes têm quase a mesma liberdade para ponderar “Gostava que a minha casa fosse assim, vou falar com os arquitetos…”?

Essa questão é mais pertinente do que às vezes pode parecer. Nós estamos habituados a ir comprar carro e não vamos dizer ao mecânico “Olhe, desculpe, eu queria um carro com x metros para 5 pessoas que seja vermelho com uma risca branca…” Nós compramos os carros que estão disponíveis no mercado. E isso permite o quê? Isso permite otimização, permite baixos custos. Hoje em termos de evolução automóvel estamos muito mais à frente do que em termos de evolução de construção. Os nossos carros, do ponto de vista da máquina em si, do design, da qualidade do produto, da segurança, da exigência, são máquinas muito mais avançadas do que é a “máquina” casa. Porque a casa ainda é uma coisa artesanal. A casa ainda é montada à medida, com tijolo em cima de tijolo, com falhas. Acontecem sempre, tudo o que não é industrializado tem falhas. Agora, por outro lado, um carro é feito para responder e para andar em vários sítios, uma casa não, uma casa é feita para se adaptar a determinado sítio. Portanto este equilíbrio é fundamental no futuro da arquitetura. Tem sempre que se ter a noção de que se está a projetar para um contexto, cultural, social, paisagístico… Mas depois existem outros aspectos, como a questão climática. Tem de se ter uma casa que responda às situações específicas da zona. E nem é a zona do país, porque dentro da mesma zona do país, dentro da mesma aldeia, pode-se estar numa encosta virada a sul, depois numa encosta virada a norte, depois tem-se uma árvore que faz sombra a uma hora do dia… Um bom projeto tem de ter tudo isso em conta e tem de tirar partido do sol, tem de tirar partido da vista, tem de tirar partido dos acessos, do espaço… Portanto eu sou descrente da solução de mercado que passa por haver casas prontas e que seja só comprar e instalar. Não. Tem sempre que haver uma fase de pensar e otimizar a casa no local. Não é porque eu sou arquiteto e quero que os arquitetos continuem a ter trabalho. É só porque eu penso que é a forma mais eficiente. É mais eficiente do que colocar uma casa que não foi bem pensada para aquele espaço e depois tentar compensar a falta de eficiência energética. Catálogos? Não. Agora catálogos de soluções, isso é outra coisa. Catálogos de tipo de parede, catálogos de tipo de cobertura, catálogos de tipo de soluções, isso sim faz sentido. E outra coisa que faz sentido é a industrialização. Não é acabar com a mão de obra e os postos de trabalho, antes pelo contrário, é melhorar as condições. Há muita insegurança na execução de uma obra neste momento. Quem está a fazer uma obra corre sempre riscos, há o risco de queda em altura, o risco de se magoar com alguma ferramenta… Se se passar o processo construtivo para uma fábrica, tem-se logo uma diminuição brutal dos riscos humanos porque os processos vão ser muito mais controlados. Então faz-se uma parede completa numa fábrica, tem-se ali todo o controlo de segurança, todo o controlo de qualidade e quando a parede sair da fábrica para a obra já se sabe que aquela parede cumpre com tudo o que precisava de cumprir e que não teve nenhum defeito de fabrico em obra. Portanto é fundamental que as soluções passem por este processo de industrialização e que deixemos de ter o assentamento de tijolo, a betonagem em obra e que cada vez mais as nossas obras sejam coisas mais na lógica dos carros, em que há um processo de montagem, não de produtos completos, mas de componentes. Em que há um componente de parede, há um componente de telhado, produzidos fora da obra mas que foram pensados para aquele local específico. E, já agora, nesta questão do LSF, uma vantagem que nós vemos e que é muito gira: consegues fazer o projeto e o modelo 3D no computador e depois tens uma máquina que o vai produzir sem erros. Há uma máquina que pega no teu ficheiro e que vai fazer peça um, peça dois, peça três, peça quatro… furar, aparafusar, embalar. Depois a máquina imprime o recibo que diz as peças e faz o manual de montagem, como se fosse um móvel do IKEA. A industrialização na arquitetura tem de ser isso: a máquina fez o que eu queria mas foi uma máquina portanto não teve erros.

No seguimento do que estavas a dizer, qual é a garantia que planeiam dar às casas da D’AÇO?

Em Portugal, a garantia obrigatória das obras é de 5 anos. O aço tem garantia de 100. Eu próprio tenho dúvidas e vou precisar da ajuda de laboratórios, possivelmente colaborar com algum laboratório de engenharia de uma faculdade para tentar chegar a um prazo. Nós não somos sabedores de tudo, nós estamos aqui a fazer experiências e temos algumas convicções com base no conhecimento que vamos adquirindo, mas não queremos para já estar a dizer que a nossa garantia vai ser de 50 anos. Até porque as garantias em Portugal são muito estranhas: uma empresa de construção deu uma garantia de 5 anos, que é obrigatório para uma obra. E essa empresa um ano a seguir abriu falência. Quem é que vai dar essa garantia? Não há nada que obrigue a empresa que faliu a dar-te garantia. A questão da garantia em Portugal é uma questão que dava para outra entrevista e para um debate, ainda está muito cinzenta, ainda é muito difícil. A maior garantia que pode haver numa obra é a credibilidade de uma empresa e o histórico dessa empresa. Se a D’AÇO evoluir como eu penso que pode evoluir, nós não vamos ter interesse nenhum em que haja obras nossas com problemas. Se tivermos um telefonema de um cliente que diga “Olha, Rafael, há aqui uma situação que apareceu na tua obra, não estava a contar com isto, isto é um problema. Podes vir resolver?” Eu, como empresa, tenho todo o interesse em ir lá resolver, porque um problema é a morte de uma empresa. Uma empresa que seja de responsabilidade social e de mérito tem sempre que ter as garantias mínimas e mais algumas e assumir sempre essa questão. Agora, nós estamos numa fase tão embrionária que eu tenho dificuldade em perceber já. Cumprimento legal, sempre, os 5 anos de garantia é óbvio. Agora, eu quero mais que isso, acho que também tem de ser mais que isso.

Gostava também de saber como é que correu o processo de licenciamento para a vossa casa junto da Câmara Municipal.

É a mesma coisa que uma casa normal, é igual a uma casa normal.

Não puseram entraves por ser uma coisa nova?

Não, não. Há também a questão da facilidade que existe nos empréstimos bancários, é outra das dificuldades que as pessoas têm normalmente quando querem construir.

Como achas que os bancos vão reagir a conceder créditos?

O crédito é igual, neste momento é igual. Eu consegui fazer um crédito na Caixa Geral de Depósitos com as mesmas condições com que teria feito se fosse uma casa tradicional. Mas já houve dificuldades nos últimos anos. Nós estamos a acabar um período de transição em que os bancos ainda não estavam a acreditar nisto. Nós não somos a única empresa de aço leve em Portugal, como tu já percebeste, nós somos a primeira empresa que está a tentar tornar o aço leve numa solução sustentável e eficiente do ponto de vista técnico também. Mas o sistema em si foi lutando para ganhar credibilidade no mercado e neste momento já é possível os bancos confiarem no aço leve como se fosse um sistema como outro qualquer. Consegues neste momento ter esse financiamento.

Mas isso já veio de uma luta de há anos…

Vem de alguns colegas da área que trabalharam nisso. Porque o medo dos bancos é só apenas de te emprestarem dinheiro e tu fugires com a casa, o medo é mesmo esse. É aquela questão de que falámos há pouco, dá para desmontar e montar noutro sítio, mas não é muito fácil. Quando fores ver uma obra em aço tu vais pensar “Ui! Para desmontar isto mais vale fazer de novo.”. A ideia de ser desmontável é mais no sentido de ser reciclável no final. A questão da reversibilidade é mais nesse sentido. A questão do desmontar e voltar a montar não penso que seja algo que valha a pena. Quando estamos a fazer uma casa em LSF, é preciso justificar no banco que, apesar de ser em LSF, é uma estrutura fixa e que não vai ser amovível. Do ponto de vista bancário isso é fundamental.

Há incentivos do estado português nesta área para projetos com interesse do ponto de vista ecológico?

Para construção própria não. Há incentivos, por exemplo, na criação da nossa empresa. Se quisermos ter acesso a alguns incentivos para comprar máquinas, viaturas, equipamentos, para esse tipo de coisas, isso é possível, porque a D’AÇO tem uma componente de inovação e uma componente de preocupação ambiental. Também há incentivos para a reabilitação, há muita coisa na área de reabilitação urbana. Na área da construção nova não há e eu acho bem que não haja. É aquele problema de que te falava há pouco, há muito tempo que há mais casas do que agregados familiares.

Portanto, enquanto não se inverter não faz sentido…

Não vai inverter. Nós sabemos que vai haver sempre construção nova. Infelizmente, mas é a realidade. Portanto, a haver construção nova, pelo menos que seja em aço, que é uma coisa reversível. No final desmonta-se. Se não, chegamos a um ponto em que possivelmente os teus netos daqui a uns anos não vão ter onde construir, porque o terreno para construção está todo ocupado. Nós olhamos para o espaço como se fosse um recurso inesgotável, mas o espaço físico é um recurso como o petróleo, acaba. Isto é só uma esfera, o planeta é isto, não alarga. Portanto, às vezes ao falar de recursos esquecemos um recurso fundamental: o espaço físico, que é um recurso brutal e cada vez mais caro.

No seguimento da questão da reabilitação, é viável aplicar o aço leve e as técnicas de isolamento térmico a construções que precisem de ser recuperadas? Mantendo, por exemplo, a fachada tradicional? Porque Portugal tem uma arquitetura tão característica e uma tradição arquitetónica tão grande…

Sim. A grande dificuldade nos projetos em aço para reabilitações é que por vezes as reabilitações têm algumas paredes que estão tortas e tem-se muita dificuldade em fazer medição muito rigorosa em obra. E nós trabalhamos com ficheiros digitais, sem erros, as coisas são certas ao milímetro. Portanto tem sempre que se trabalhar com alguma margem de segurança na reabilitação, para se ter a certeza de que se vai fazer uma parede que depois cabe no sítio. É só essa a dificuldade. Ou seja, tem de se ter mais rigor; enquanto que numa casa nova é 4 metros, é 4 metros, é 5 metros, é 5 metros, não interessa, na reabilitação não, se temos um espaço para meter uma parede que mede 4,72 centímetros não se pode fazer com 4,72 e meio porque não vai caber. A única dificuldade na reabilitação é essa, obriga a um projeto ainda mais rigoroso. Mas é viável e é recomendável.

Vai sempre ser preciso deslocar uma equipa técnica específica para montar as vossas casas ou seria possível serem construídas por alguém que tenha noções básicas de construção civil? A razão da minha pergunta é: uma ONG quer comprar um pacote das vossas casas, que são super rápidas de montar, para fazer face a uma situação de emergência e diz que tem uma equipa com competência para as montar. É possível?

Isso é possível. Até te posso dizer que neste momento, ainda está tudo muito na troca de e-mails, mas estamos a começar uma parceria com uma equipa de investigação internacional que envolve uma universidade de Munique, uma universidade em Paris, um instituto da universidade de Lisboa… A Mariana é que está a fazer esses contactos. Temos uma parceria internacional para monitorizar o nosso projeto. O objetivo é ser monitorizado e perceber o desempenho para depois perceber se pode ser uma solução para a construção de uma smart city na África do Sul. O objetivo é esse. E então o que eles querem fazer é monitorizar uma série de projetos em várias zonas geográficas do mundo e depois com base nos dados da monitorização vamos organizar uma equipa internacional que vai desenhar aquilo que será a tal smart city em África do Sul. Estas coisas interessam-nos muito também. Esta parte de estarmos sempre na crista da onda da investigação e tentarmos acompanhar. Nesta fase inicial da empresa, nem nos importa tanto a questão do lucro e de “temos que ganhar dinheiro e temos que fazer imensas casas”. Não. Nós temos é que perceber o que é que nós queremos. Depois acabamos por ter amigos aqui, amigos acolá, e isto foi através de uma relação de amizade. Foi alguém que viu o nosso projeto numa rede social qualquer, estava a trabalhar com essa organização internacional e falou connosco.

O revestimento em cortiça que a DAÇO utiliza nas casas é super interessante para o mercado nacional. Vai ser possível fazer uma casa 100% made in Portugal? O aço parece ser mais complicado, porque tem de ser importado…

Eu não consigo encontrar aço português. O aço ou está a vir da China ou está a vir do Brasil e isso é um problema do ponto de vista da pegada ecológica. A não ser que, e isso também pode estar nos planos, se comece a desenvolver alguma capacidade de reciclagem de aço em Portugal. Criar aqui um circuito interno em que passamos a fazer casas com aço reciclado, isso é uma coisa que eu estaria muito interessado em fazer.

Sentes que na tua área de trabalho tem sido detetada uma crescente preocupação ambiental?

No contexto específico deste interior, onde estou a trabalhar e a fazer arquitetura, e no tipo de clientes que nós vamos tendo, penso que podiam estar mais sensibilizados do que estão. Nesta zona do país, ainda estamos muito parados e muito atrasados em relação a estas questões ambientais. Eu ainda me sinto um pouco como um maluco que está a fazer coisas de uma maneira que não devia ser. Por vezes há esta sensação de que estás a fugir demasiado à regra. Dou-te um exemplo: a minha mãe é uma pessoa que é daqui. E que tem uma casa normal em tijolo, sempre viu casas normais e faz-lhe alguma confusão de repente ter um filho que está a pensar diferente dos outros todos. Tens sempre estas coisas, mas lá está penso que tem a ver com o nível de formação das pessoas. E a partir do momento em que tu começas a perceber realmente que há um problema para resolver e que temos de o resolver todos juntos torna-se mais fácil. E tem sido super fácil conseguir convencer clientes bem informados. É mesmo muito fácil. Porque eles percebem. É só somar “a” mais “b” e perceber “Está aqui uma vantagem incomparável com o sistema de tijolo, não vamos gastar mais dinheiro e vamos ter um produto melhor e mais rápido.” Onde é que está a dúvida no final? Não sei.

Adorei, Rafael. Muito obrigada.

Referências

[1] Passive house