1. Gostaria de começar por lhe pedir para descrever, resumidamente, o seu percurso académico e profissional.
Certamente! Estudei Engenharia Mecânica no IST, onde desenvolvi interesse em mobilidade elétrica, o que me levou a participar no Projecto Sustentabilidade Elétrica Móvel (PSEM) e especializar-me na área de produção. No PSEM, desenvolvemos veículos elétricos eficientes e os levamos a correr em Inglaterra. Foi neste projeto que aprendi, muitas vezes por tentativa e erro, as hard skills para desenvolvimento de protótipos. Do Técnico, segui para o Von Karman Institute (VKI) para seguir interesses académicos em métodos computacionais e mecânica de fluidos, onde fiz investigação em arrefecimento de uma nova geração de reactores de fissão nuclear. No VKI ganhei o gosto pela investigação e decidi fazer o doutoramento numa área com aplicação nas áreas de Energias e Ambiente. Desde então estou a fazer doutoramento em robots aéreos (drones) no Imperial College London.
2. Sobre o projeto do drone que lança dardos, pode dar uma descrição geral do projeto? Como surgiu a ideia?
Este projecto começou com o objectivo de colocar sensores em reactores de fusão nuclear, onde muitos locais não são acessíveis a seres humanos. De facto, muitas operações já são efectuadas por robôs no JET (Joint European Torus), com quem colaboro, mas muitas áreas não são acessíveis sem um drone. Além disso, estas instalações também são muito complexas e arriscadas para um drone voar e, como tal, surgiu a ideia de voar o drone afastado de zonas arriscadas e lançar os sensores de encontro às zonas de interesse. Durante a fase de desenvolvimento apercebi-me que este método também seria de interesse na ecologia para estudos em florestas, dado que estas também têm uma estrutura complexa. Assim, adaptei o projeto para lançar dardos com velocidade suficiente para se alojar na casca de árvores.
3. Para que tipo de ecossistemas é que este drone é indicado?
Este em específico foi desenhado para ser usado em florestas tropicais. O objetivo é ter um voo maioritariamente na direcção vertical, tirando vantagem de corredores verticais que se formam debaixo das chamadas árvores emergentes, que chegam a alturas de 100 metros. Daí, consegue-se lançar sensores em direção às árvores em relativa segurança. Os sensores alojam-se nas árvores e podem fazer stream de dados como temperatura, humidade e luminosidade durante meses.
4. Que benefícios ambientais pode este drone trazer?
Para trazer um benefício considerável, teria de aperfeiçoar o sistema para poder ser usado por cientistas em diversas partes do mundo, por enquanto isto é um sistema em desenvolvimento. Mas o que espero ainda conseguir fazer durante o meu doutoramento é a caracterização de habitats em florestas tropicais. De facto, estas têm climas muito estratificados que são difíceis de estudar, e uma vez que uma grande quantidade de espécies nestes habitats são arbóreas, acabam por ser pouco estudadas. Isto porque o acesso às zonas superiores da floresta são muito complexas, arriscadas e demoradas para os orçamentos de investigação. Este sistema permite-nos ter uma melhor imagem de como o microclima dentro de diferentes estratos da floresta evolui com alterações climáticas. Esta informação pode então ser extrapolada para estimar a redução de habitat destas espécies com evolução do clima a uma escala global.
5. Como são utilizados os dados recolhidos?
Por enquanto, os dados que consegui recolher são baseados em sensores acústicos (microfones) que captam o som envolvente. Estes dados são processados com métodos relativamente complexos que distinguem sons ambientais (vento, chuva, etc), de sons antropogénicos (sons humans: vozes, veículos, moto-serras, etc) e de sons bióticos (maioritariamente grupos de espécies vocais como pássaros, rãs, primatas, mas também sons de insectos). Um grupo na Universidade de Cornell também desenvolveu um método alternativo que consegue distinguir mais de 1000 espécies de pássaros nativos dos Estados Unidos e Europa. Ambos métodos baseiam-se em convolutional neural networks, por isso, apesar de uma grande quantidade de dados ser necessária para treino, acabam por gerar muitos dados. Por exemplo, um dos meus colaboradores (Jenna Lawson) fez o seu PhD a desenvolver estes métodos e gerou 200 mil horas de dados. Uma pessoa demoraria 60 anos a ouvir as gravações em contínuo para fazer um inventário das espécies. No caso deste projecto, usámos o drone para colocar sensores nos ramos de uma árvore numa floresta na Croácia, a 15~20 metros de altura, e descobrimos que 20% das espécies de pássaros detetadas não foram detectadas com sensores junto ao chão. Isto é extremamente importante, porque é baseado nestes resultados que cientistas propõem a governos que áreas devem ser protegidas, e parece que estamos usar apenas informação parcial para fazer estas decisões.
6. O drone poderia desempenhar algum papel ativo no ecossistema? Ou só um papel passivo de recolha de dados?
Este teria um papel passivo.
7. Quais são as limitações do drone do ponto de vista da engenharia?
A maior limitação de momento é o facto de só levar um sensor a bordo, para esta aplicação funciona bem porque queremos usar um drone bastante pequeno que consiga navegar em espaços pequenos dentro da floresta, mas para outras aplicações, haverá outras soluções que são mais indicadas. Também estamos limitados a sensores com menos de 30 gramas, por isso há poucas opções comerciais e tenho muitas vezes de desenvolver os sensores que quero usar. Outra, é a recolha dos sensores, que normalmente seria feita também com drones, excepto que nesta aplicação seria muito difícil voar drones perto o suficiente dos sensores. Por isso, tenho colegas a trabalhar em formas de fazer os sensores biodegradáveis. Assim, o sensor é desenhado de forma a ter um tempo de vida útil. Ao fim do qual degrada-se de forma não nociva para o ecossistema.
8. Há alguma estimativa de tempo até que os drones possam ser implementados para vigilância florestal?
Penso que teremos de esperar ainda uns tempos. Nos últimos anos temos visto um grande impulso para automatização do sector agrícola. Muitas das tecnologias desenvolvidas serão eventualmente portadas para florestas, e se houver interesse suficiente, um sistema autónomo para monitorização de florestas não é difícil de imaginar. Diria que nos próximos 10 anos vamos ver certos aspectos deste objectivo de longo termo a serem implementados. Por exemplo, a detecção de fogos florestais, combate a abate ilegal de arvores, replantação de areas florestais e detecção de certas doenças em árvores, são tarefas que já começaram a ser desenvolvidas.
9. Sobre o projeto SailMAV, pode dar uma breve descrição deste projeto?
O SailMAV é um drone de configuração asa fixa (como um avião RC), que consegue aterrar em água para estudar ambientes aquáticos. Para além disso, consegue rodar as suas asas para uma direcção vertical, de forma a usá-las como velas (como num barco à vela) e mover-se na água de forma eficiente.
10. Quais são os aspetos inovadores e quais as vantagens dos mesmos?
O aspecto mais inovador deste sistema é ter a flexibilidade de ter múltiplos modos de locomoção. Conseguimos voar a velocidades relativamente rápidas, e sobre obstáculos, mas também nos podemos mover na água por grandes distâncias e com consumo de energia muito reduzido. Isto permite ao SailMAV chegar a meios aquáticos inacessíveis, aterrar e depois mover-se por longos períodos enquanto recolhe dados. Outra vantagem é que quando se navega à vela o drone é extremamente silencioso, por isso tenho-o usado com microfones e hidrofones, também para detectar espécies, desta vez em meios aquáticos.
11. Houve obstáculos no desenvolvimento?
Houve e ainda há. Um dos maiores problemas é sempre fazer a estes drones a prova de água. Obviamente, quando se quer voar, cada grama conta e desenhar componentes à prova de água torna-se complicado. Outro é a falta de locais onde testar, as legislações para voar drones impedem-nos de voar na maioria dos locais onde temos lagos e espaço desimpedido para voar.
12. Que tipo de vigilância marinha pode ser feita? Para que ecossistemas marinhos pode ser utilizado?
Teoricamente não há limites em termos de onde este drone pode ser usado, mas na prática, a operação em mar é limitada dado que o drone é extremamente pequeno e suscetível a ondulação para aterrar e descolar. Até hoje tenho testado muito em ecossistemas de água doce onde estou a estudar o uso de hidrofones para estimar a biodiversidade. Um dos objetivos para mais longo prazo é a monitorização de descargas industriais em zonas costeiras. Estas não são consideradas nocivas (descargas de centrais elétricas ou centrais de dessalinização de água do mar por exemplo), mas pensa-se que grandes descargas de água doce ligeiramente aquecida podem gerar rápida multiplicação de algas.
13. Como pode este drone ajudar em cenários de catástrofes naturais?
Este em particular poderia ajudar dado que pode voar sobre uma zona inundada, aterrar e por exemplo, recolher uma amostra de água para análise e informar as autoridades se existem riscos de propagação de poluentes, etc. Mas andar à vela não seria necessário para este caso, por isso outro drone dedicado seria mais útil.
14. Há alguma estimativa de tempo até que estes drones possam ser implementados na natureza?
É difícil de estimar, mas depende muito do projeto. Por exemplo, o meu projeto para florestas é relativamente simples de produzir e consegue-se até resultados aceitáveis sem usar a parte mais complexa em autonomia e cálculo das trajectórias dos sensores. Eu estou em processo de fazer a informação open-source e fácil de seguir para pessoas sem treino em engenharia, e espero que mais pessoas consigam fazer estudos semelhantes num futuro próximo.
15. Que outros projectos é que está a desenvolver, ou que pretende desenvolver no futuro, e qual a sua motivação principal?
Tenho muitos planos :p mas o limite é mesmo tempo. Um PhD corre por um tempo limitado e está na altura de passar a pasta ao próximo. Um dos meus outros projectos consiste num drone com um mini-submarino que aterra na água e depois pode explorar o ambiente subaquático. Estou em processo de planear testes em glaciares na Suíça para recolher DNA em lagos que congelam parcialmente durante o inverno. Outro projeto que comecei recentemente é também com lançamento de sensores, mas para baleias. Estou a colaborar com o Instituto Antártico Australiano para colocar GPS trackers e recolher amostras de pele de baleias usando drones. O que me motiva mais na investigação é o desenvolvimento de máquinas interessantes para aplicação em recolhas de dados para as ciências naturais. Para mim, esta área tem o melhor dos dois mundos entre engenharia e exploração: passo muitas horas a fazer simulações e a desenhar máquinas, ou em oficinas a construí-las, mas também em parques naturais pelo mundo fora fazer testes.