Experiências no Circular: Conversas sobre Ambiente e Sociedade

2022-01-13 · Ana Jorge Caeiro e Verónica Mendes Pedro

O AmbientalIST compareceu no Circular, evento que discutiu cinco vertentes da sustentabilidade: materiais, energia, natureza, transportes e alimentação. Aqui oradores de áreas diferentes falam sobre estes temas em busca de arranjar soluções globais.

Introdução sobre a organização e suas atividades Reboot

A Reboot é uma associação sem fins lucrativos que ensina a temática da sustentabilidade de forma descomplicada, acessível e digital. Nesta comunidade, discutem-se cinco grandes temáticas dentro desta área: materiais, energias, natureza, transportes e alimentação com o objetivo de, com a força de jovens pensadores e atuadores, fazer um literal reboot. O AmbientalIST compareceu no seu evento, Circular, no passado dia 1 de Dezembro de 2021 com muito entusiasmo, e contamos aqui como foi este dia preenchido.

Materiais

O dia começou com uma redefinição muito importante por Carmen Lima (Quercus) do que chamamos lixo. Atualmente, vemos os recursos não utilizados como lixo e não temos em conta o impacto ambiental da produção de um objeto. Na verdade, os materiais podem estar divididos em lixo, resíduos e recursos. E, apesar de na sociedade atual vermos muitos objetos como lixo, descartando-os imediatamente, é importante sempre olhar uma segunda vez e tentar reaproveitá-los como recursos. No fim de vida, para facilitar a reciclagem de materiais menos normalizados, a oradora apelou a que se consultasse a aplicação “Wasteapp”. Adicionalmente, é necessário fazer mais para além da reciclagem, como por exemplo, criar uma taxa de impacto ambiental. Esta palestra acabou com uma mensagem unificadora de que o único “R” que importa é o de respeitar o planeta.

Ana Barbosa (IKEA) apresentou como é que esta empresa sueca procura contribuir para uma vida saudável, com um menor impacto ao, por exemplo, retirar o plástico de todas as embalagens até 2028.

Já Luís Sá Loureiro (Vissi) fez uma apresentação completa dos impactos da indústria da moda no ambiente, nomeadamente na sua produção e no seu fim de vida: uma vez que são produzidas tantas peças de roupa de maneira tão “barata”, que estas quase se tornaram descartáveis, acabando em aterros em países do Sul global. Foi referida a produção “barata”, uma vez que o custo total desta é externalizado para custos sociais e ambientais, de modo a reduzir o custo monetário. Assim, foi reforçada a importância de, como consumidores, valorizarmos o preço real do que vestimos.

Energias

Nelson Lage (ADENE) começou com a afirmação de que 3/4 dos edifícios em Portugal não respeitam a eficiência elétrica necessária para construção atualmente, o que leva a um grande desperdício de energia. De seguida, falou sobre os carros elétricos, nomeadamente sobre o seu fim de vida com a reciclagem de baterias ao, por exemplo, ligá-las à rede elétrica. Por fim, falou do programa da comissão europeia para a produção de baterias na Europa com selo verde.

Já Mário Simões (EDP) falou das vantagens da mobilidade elétrica e o impacto na redução de GEE. Aqui apresentou o projeto que está a ser desenvolvido pelos laboratórios da EDP, o 2Life project.

Na terceira parte do painel das energias, com Márcia Pereira (Bandora) ficámos a saber que apenas 40% da energia é gasta em edifícios, no aquecimento e/ou ventilação dos mesmos, sendo o restante desperdiçado devido à sua má gestão. Assim, o trabalho desta empresa é empregar inteligência artificial de modo a gerir melhor a energia, aumentando assim a eficiência energética.

Natureza

António Abreu (Unesco) é investigador e conselheiro científico trouxe a perspectiva de uma organização com ação global, reforçando a existência de responsabilidade dos governos e atuadores económicos para mudarem o tipo de economia praticada atualmente para a economia doughnut, na qual crescimento económico está limitado pela capacidade de exploração de recursos naturais e cujo limite mínimo é uma vida digna. Reforçou que, curiosamente numa época de informação, parece que existe uma dificuldade a chegar à que verdadeiramente importa.

De seguida, Pedro Prata (Rewilding Portugal) começou por explicar em que consistia esta nova era geológica posterior ao Holoceno, o antropoceno. Aqui mostra-se imperativo impedir que a devastação de habitats naturais contribua ainda mais para a extinção em massa que se está a verificar, através de ações de reinserção de espécies e monitorização das suas populações.

Por fim, João Dias Coelho (GEOTA) falou com grande entusiasmo sobre as diferentes áreas de ação deste grupo de estudos, que inclui por exemplo, a recuperação da serra que foi afetada pelo maior incêndio florestal da Europa em 2018, no projeto Renature Monchique, ou o projeto Rios Livres, no âmbito de valorizar os aspectos social, ambiental e económico dos ecossistemas ribeirinhos. No fim, incentivou o público a ser mais ativo na preservação do meio ambiente, dando estratégias para o fazer, como a participação em consultas públicas ou outros planos estratégicos, assim como juntar a ações populares, petições públicas ou até usufruir do direito à Iniciativa legislativa dos cidadãos.

Transportes

Este painel começou pela apresentação de José Barbosa (CP) que demonstrou quão importante é atualizar a ferroviária de forma mais sustentável, dado que este é já o meio de transporte com menos gramas de CO2 por passageiro. Num projeto de recuperação de carruagens a empresa conseguiu obter uma poupança de 140 milhões de euros (150M de comprar novo VS 10M de reparo).

Manuel Banza (EMEL) faz análise de dados mais especificamente no programa das GIRAS em Lisboa, nesta conversa demonstrou os mapas de tráfego deste meio de transporte em Lisboa e como isso afeta a direção que a empresa vai tomar, a qual planeia ser o mais transparente possível para o consumidor.

Nuno Costa (Ulisboa) reforçou o impacto que os transportes têm no meio ambiente e como é necessário mudar o paradigma atual de modo que este setor se torne mais sustentável.

Alimentação

Neste último painel, Paula Policarpo (Zero desperdício) abriu a discussão falando das diferentes formas de abordar o problema do desperdício alimentar, com grande foco na redução da fonte de alimentos, pois a produção é a que tem maior impacto. Por outro lado, o facto de que 30% do desperdício alimentar é feito nas nossas casas mostra a falta de consideração pelo impacto dos alimentos e a falta que fazem às comunidades que mais deles precisam.

De seguida, o empreendedor Guilherme Pereira (Portugal Bugs) apresentou o produto principal da sua empresa líder em entomofagia. Estes alimentos são feitos a partir de insetos, algo que o ser humano já consome desde tempos primordiais. Estes são nutricionalmente ricos e apresentam uma quantidade de GEE emitidos especialmente baixa. É um produto português, logo com menor impacto ambiental na produção e transporte, que acaba também por beneficiar a economia local.

André Miranda (Horta Circular) que já trabalhava na área de produção agrícola, quis desenvolver um modelo de negócio único na sua cadeia de fornecimento, de modo a que esta seja o mais curto e transparente possível. Neste projeto as caixas de entrega são reutilizadas, o seu recheio é feito a granel e é fornecido por produtores locais.

Ambiental

Esta apresentação consistiu numa grande viagem pela história (começando pelos Lusitanos até hoje), onde nos foram apresentadas várias práticas do “antigamente” face às práticas correntes. Assim, o Professor Jorge Paiva, biólogo aposentado da Universidade de Coimbra mostrou-nos através de imagens as diferenças que se podiam ver em cada ambiente e como nosso planeta se foi tornando cada vez mais insustentável. Foi dada uma grande importância às espécies de flora, nomeadamente o gradual desaparecimento de carvalhos e castanhos, substituídos ou por outras árvores de crescimento mais rápido como os pinheiros e os eucaliptos ou por searas e outros campos de cereais. Assim, com este exemplo e inúmeros mais, chegou-se à conclusão de que em todos os momentos da história, o ser humano cometeu práticas insustentáveis. Porém, dada a pequena escala destas, a natureza conseguia sempre facilmente compensar. À medida que estas práticas se começaram a realizar em massa, foram-se tornando cada vez mais insustentáveis, provocando mudanças visíveis em cada ecossistema. Apesar de ter sido uma apresentação virada para a insustentabilidade que está a ocorrer e, por isso, mais pessimista, esta inspirou cada ouvinte para gerar mudança e podermos voltar a estar em equilíbrio com a natureza.

Social

Nesta apresentação, Ana Horta (Socióloga e Investigadora da Universidade de Lisboa), falou-nos sobre a realidade da pobreza energética em Portugal. Esta situação deve-se a fatores, como por exemplo, a maioria das casas não serem devidamente isoladas. Apesar da construção moderna já requerer isolamento mínimo, esta lei é muito recente e pelo que não se reflete em muitos casos. Adicionalmente, os equipamentos normalmente utilizados são de baixo custo e normalmente com reduzida eficiência energética. Por este motivo, estes equipamentos são muitas vezes utilizados como “último caso”, de modo a evitar um aumento muito significativo na conta da eletricidade. Todos estes fatores contribuem para um mal-estar geral das pessoas (especialmente no inverno, mas também se aplica no verão dada a falta de isolamento das casas e de meios de arrefecimento) e para um maior desperdício de energia. É importante notar que este desperdício de energia poderia ser evitado, limitando a queima de uma quantidade significativa de combustíveis fósseis e as respectivas consequências no ambiente.

Assim, a solução seria aumentar a eficiência energética nas habitações portuguesas, de modo a dar uma vida mais digna e confortável, beneficiando o planeta.

Financeira

Neste pilar da sustentabilidade muitas vezes negligenciado, Nuno Jorge (GoParity) alertou para a imperatividade de saber onde é que os bancos que possuem o dinheiro dos clientes o investem. Muitos destes investimentos vão para empresas ou projetos que apoiam combustíveis fósseis, ou outros projetos que impedem uma evolução para o desenvolvimento sustentável. A sua empresa dá a oportunidade de que estes investimentos sejam aplicados em projetos de sustentabilidade. Ou seja, o intermediário (que são os bancos) é eliminado, de modo a que uma pessoa individual possa investir diretamente num projeto em que acredite, e o dinheiro ser-lhe-á devolvido assim que este gerar lucros para tal. Assim, cada pessoa sabe exatamente onde o seu dinheiro está a ser aplicado, sem correr o risco que o seja contra os seus valores.

Mensagem sobre Esperança

Para encerrar o evento, a atriz e autora do blog “Green Little Steps” Ana Varela deu-nos uma mensagem de esperança, face aos factos de falta de sustentabilidade ambiental que somos expostos diariamente. Apesar de ser necessário estarmos informados, é imperativo não perder a esperança no futuro, e não desvalorizar os pequenos passos que já estão a ser dados.

Organização do Evento

No geral, achamos o evento muito completo e bem conseguido porque trouxe oradores de empresas e associações importantes e com um papel significativo nesta mudança multinivelada. É de notar a excelente apresentação do evento, feita pela influencer de sustentabilidade Catarina Barreiros. O evento em si foi muito bem organizado, tanto em termos de logística (entrada e saída de oradores, discussão, “coffee breaks”…) como em termos de segurança face à COVID-19. Se tivermos mesmo que apontar um ponto “negativo”, seria termos gostado de ouvir um pouco mais cada orador, dado o tamanho interesse no que eles têm para transmitir, tanto individualmente como em mesa-redonda ou perguntas.

Concluindo, o evento resultou num dia muito bem passado, de aprendizagem e reflexão sobre temas muito atuais.