O projeto Edifício Solar XXI

2023-05-07 · Constança Fernandes

O edifício do futuro

No passado dia 30 de março, no âmbito da Green Week 2023 – um evento cujo principal objetivo é a sensibilização e união da comunidade para a proteção do clima organizado pela AEIST com o apoio do AmbientalIST – fez-se uma visita técnica ao Edifício Solar XXI.

Este edifício com 1500 m2, inaugurado em 2006 e projetado pelos arquitetos Pedro Cabrito e Isabel Diniz, alberga a sede de energia do LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia) e foi desenvolvido com o objetivo de servir de exemplo na construção de edifícios futuros, quer residenciais quer de serviço.

Em particular, este edifício foi concebido com base em princípios de economia verde e circular e tem capacidade para produzir energia suficiente para as funções normais de iluminação, aquecimento e ar condicionado, apresentando um consumo energético praticamente nulo (Nearly Zero-Energy Building, NZEB) com baixa pegada de carbono e baixo custo.

A importância do NZEB

O setor de construção é um dos setores que mais consome recursos na União Europeia (UE) consumindo 40% da sua energia total e contribuindo para 35% de todas as emissões de gases de efeito de estufa. Para além disto, de acordo com o Observatório Europeu da Pobreza Energética, estima-se que mais de 50 milhões de famílias na UE estejam a enfrentar a pobreza energética. Desta forma, os edifícios NZEB melhoram a dimensão ambiental da sustentabilidade e promovem a economia, pois o setor da construção fornece 18 milhões de empregos de forma direta e contribui com cerca de 9% do PIB da UE.

Pilares de atuação para atingir o NZEB

De forma a atingir o NZEB, utilizaram-se dois tipos de soluções:

  1. Soluções passivas (tais como orientação solar, ventilação, sombreamento)
  2. Energias renováveis (solar térmico e fotovoltaico)

Neste artigo, vou expor algumas das estratégias que, pessoalmente, achei mais interessantes.

Soluções Passivas

Orientação do edifício: Para potenciar a captação de ganhos solares, as salas com ocupação permanente encontram-se orientadas a sul de forma a tirar partido da insolação direta e assim promover os ganhos de calor no inverno. Por outro lado, as zonas a norte do edifício são de ocupação ocasional, como, por exemplo, as salas de reuniões.

Iluminação natural: Para além do edifício estar orientado a sul, o edifício tem um poço de luz central com uma clarabóia no topo, áreas envidraçadas, portas translúcidas e uma “parede cega” que serve como refletor de luz para as salas a norte e a nascente.

Sombreamento pelo Exterior: De forma a contornar alguns problemas derivados da fachada virada a sul (luz ou calor excessivo), instalaram-se estores de lâminas reguláveis em cada gabinete, permitindo que cada utilizador adeque os ganhos solares de luz no seu espaço de trabalho, tornando-o mais confortável e funcional.

Sistemas de Arrefecimento Passivo por Tubos Enterrados: O arrefecimento e ventilação do edifício é proporcionado pela entrada de ar fresco através de tubos enterrados na terra (+/- 14-18ºC). Para isso, foi construído um poço de alimentação, no qual foram colocados 32 tubos de manilhas de cimento com 30 cm de diâmetro, enterrados a 4,6 m de profundidade e que entram no edifício pela cave, subindo através de coretes centrais, e distribuem o ar nas salas através de 2 tubos (por sala) controlados pelos utilizadores. A ventilação natural, transversal e vertical, faz-se transferindo calor dos espaços a sul para os espaços a norte no Inverno, e, como forma de arrefecimento no Verão, permite libertar durante a noite o calor acumulado durante o dia através de aberturas na cobertura do edifício, na clarabóia central, no topo das escadas situadas a nascente e a poente do edifício.

Energias Renováveis

Sistema Solar Fotovoltaico e Recuperação de Calor: A energia elétrica necessária ao funcionamento do edifício é produzida por um sistema fotovoltaico instalado na fachada sul do edifício na posição vertical. Esta posição, embora prejudique a captação solar, potencia a recuperação de calor: cada uma das salas possui um conjunto de 4 painéis com dois orifícios cada e que, no Inverno, podem ser abertos pelos utilizadores de cada sala, de forma a permitir a circulação de ar entre esta e o espaço que lhe é contíguo, aquecendo-a. No Verão, o calor produzido pelas células fotovoltaicas pode ser libertado para o exterior, podendo inclusivamente libertar o próprio ar quente da sala.

O sistema fotovoltaico apresenta 96 módulos de painéis de silício multicristalinos com 95,6 m2 e, com uma produção anual de 12 MWh, é capaz de produzir 60-70% do consumo energético do edifício.

Também existe um Sistema Solar Fotovoltaico no Parqueamento (anexo ao edifício) com 150 módulos com 116,4 m2 que permitem, para além de produzir energia, o sombreamento das viaturas de quem trabalha no edifício.

Caldeira com Apoio Solar para o Aquecimento: Na cobertura do edifício foi instalada uma caldeira a gás natural que, assistida por um sistema de coletores solares, serve para gerar energia suplementar de aquecimento para os períodos de Inverno em que a incidência de radiação solar não ocorre de forma continuada. No Verão, o sistema solar térmico é suspenso e mantido coberto para evitar a estagnação.

Monitorização do desempenho térmico e energético: O desempenho energético e térmico do edifício é monitorizado sistematicamente nas vertentes da qualidade do ar e energia, consumo e produção e condições ambientais exteriores.

O edifício é monitorizado desde o início da sua ocupação, em 2006. Contudo, desde 2020, o sistema de monitorização integra um conjunto de sensores que permitem uma avaliação detalhada dos parâmetros de conforto térmico, dos consumos e produção (nomeadamente temperatura interior, humidade relativa, níveis de CO2 e iluminação natural nos gabinetes, espaços comuns e corredores) e ainda inclui uma plataforma visual - “Power monitoring system” - que permite a visualização de todos os parâmetros de monitorização e desenvolver análises e relatórios correspondentes aos objetivos propostos.

Desde 2020 que na União Europeia é um requisito legal que na construção de novos edifícios - independentemente do destinatário final do espaço (particulares ou empresas) - se garanta que parte ou a totalidade da energia que necessitam seja produzida no mesmo ou nas suas proximidades.

Acredito que as soluções tecnológicas utilizadas por este edifício, bem como outras que entretanto surjam, são um exemplo do que poderemos esperar, pelo menos de forma parcial, em toda a construção do futuro; eventualmente até, de forma superior à imposta regulamentarmente. É inevitável que assim seja pois, com o crescimento esperado da população mundial e a necessária maior presença dela em espaços, agudizar-se-iam os problemas energéticos caso contrário, com forte impacto na espécie humana e não só.

A minha expectativa é que a consciencialização de tal cresça de forma acelerada nos próximos anos, sendo inclusive (e principalmente) os próprios cidadãos, na sua vertente pessoal e profissional, a imporem aos promotores dos novos edifícios a sua eficiência energética mais que os próprios governos. Pelo menos, assim o espero!