Transição Energética Após a Pandemia

2020-06-17 · David Ferreira e Paulo Figueiredo

Neste webinar o Prof. João Peças fala-nos da transição energética e que oportunidades e obstáculos surgiram com a pandemia Covid-19.

Este webinar aborda a forma como a Transição Energética está a ser desenvolvida no nosso país e que oportunidades e obstáculos surgiram com a pandemia Covid-19. Contámos com a participação do Professor João Peças Lopes, professor catedrático na FEUP, diretor associado do INESC-TEC e vice-presidente da APVE. O Prof. João Peças Lopes tem uma extensa experiência e conhecimento em Energias Renováveis, sobretudo na integração de fontes eólicas em redes elétricas. Este tópico, assim como que fontes neutras em carbono desenvolver e integrar em Portugal, a descarbonização do setor dos transportes e a microgeração e autoconsumo são os temas abordados numa interessante conversa de cerca de 45 minutos, realizada a 17 de junho de 2020, com os nossos colaboradores David Ferreira e Paulo Figueiredo.

“Este foi um período que veio antecipar o futuro!”

O professor começou por fazer uma retrospectiva do seu percurso académico.

Questionado sobre o parecer que lhe foi solicitado pelo Ministro do Ambiente, Min. Matos Fernandes, sobre as oportunidades para a transição energética trazidas pela pandemia, o professor Peças Lopes começou por destacar que a rede nacional operou com volumes de integração de energia renovável que só se previam daqui a 5 a 10 anos. “Este foi um período que veio antecipar o futuro!”, sublinhou. Refere ainda que a redução do preço dos combustíveis fósseis não deve ser vista como uma ameaça, mas antes como uma oportunidade para retirar benefícios fiscais existentes aos combustíveis fósseis, e é o momento para dar uso a políticas fiscais e de investimento, assim como a instrumentos como o Green Deal, para alavancar o investimento em renováveis, aproveitando a flexibilidade do vetor eletricidade.

Acerca das fontes preferenciais para integrar na rede elétrica portuguesa, o professor Peças Lopes elegeu as que apresentam custos nivelados de produção mais baixos - solar fotovoltaica e eólica. O crescimento de 600 para 8000 MW de solar fotovoltaica, previsto no PNEC, o repowering dos parques eólicos nacionais e a instalação de eólica offshore ao largo de Viana do Castelo devem compreender o investimento em fontes renováveis no futuro próximo, informa.

Quando questionado acerca da preferência no uso de hidrogénio verde, ou no uso de energia nuclear, como fontes on demand para garantir a estabilidade da rede, o professor argumentou que, olhando às necessidades de compensação na produção elétrica em caso de avaria, a dimensão de uma unidade nuclear, comparando esta com unidades de ciclos combinados, que atualmente utilizam gás natural, torna esta solução desadequada ao mercado português. A tendência de desclassificação de centrais nucleares na Europa, assim como a fraca competitividade económica desta fonte, quando comparada com solar fotovoltaica, por exemplo, também são fatores a considerar, reitera. Por outro lado, a produção de hidrogénio em horas de pico de produção de renováveis, através da eletrólise da água, e o seu uso como vetor complementar em processos térmicos industriais, como aqueles associados aos cimentos, são apostas corretas, no seu entender. Nota ainda que o desenho do mercado ibérico implica a existência de centrais de ciclos combinados alimentadas a gás natural, sendo que estas centrais devem ser recompensadas, no futuro, pela sua capacidade produtiva, e não pelo seu volume de produção. O blending do gás natural é também uma técnica utilizada para diminuir a poluição desta fonte, incorporando-se até 15% de hidrogénio na rede de distribuição de gás existente, esclarece.

"[O European Green Deal] é uma oportunidade que não podemos desperdiçar."

Sobre as suas perspectivas acerca do European Green Deal, o professor Peças Lopes refere que não conhece em pormenor o plano, mas destaca algumas linhas principais: a produção de hidrogénio, o investimento em parques eólicos offshore e a construção de uma rede HVDC (High-Voltage Direct Current), que explica como uma super rede elétrica que facilitaria as trocas energéticas entre o sul e o norte do continente. “É uma oportunidade que não podemos desperdiçar", remata.

“Estamos dependentes (…) do grau de inovação que conseguirmos colocar ao nível industrial.”

Quanto à mobilidade elétrica, o professor Peças Lopes salienta a dependência do grau de inovação da indústria, mas acredita que este mercado se irá consolidar nos próximos anos, principalmente nos veículos ligeiros, deixando os veículos pesados e de longo curso para o hidrogénio. Também valoriza a adoção de políticas que discriminem positivamente estes veículos ao nível fiscal e no que toca a custos correntes, como estacionamento ou portagens. Diz ainda que na mobilidade suave, nomeadamente nos tuk tuk, um modelo de transporte baseado na troca de baterias, em vez de no carregamento das mesmas seria mais vantajoso e mais barato para os utilizadores.

O professor Peças Lopes considera a microprodução e o autoconsumo como fundamentais à transição energética. “Estamos a democratizar o acesso à eletricidade de origem renovável”, afirma, e dá o seu próprio exemplo de autoprodutor, possuindo uma unidade fotovoltaica de 500 W. Destaca a lógica das comunidades energéticas renováveis, conceito através do qual podemos “vender e trocar energia com as vizinhanças”, sendo que um decreto-lei do ano anterior prevê a criação destas comunidades em Portugal.

“As centrais termoelétricas a carvão em Portugal não têm funcionado, porque não são competitivas.”

Confrontado com a notícia de que, ao longo da última década, o preço da eletricidade subiu 40%, o professor atribui a responsabilidade a vários fatores como a subida do IVA, o início da taxação do carbono e o custo do investimento em renováveis. No entanto argumenta, com base num estudo que ele próprio está a desenvolver para o governo português, que até 2030 o preço da eletricidade irá diminuir, aumentando um pouco entre 2030 e 2035 devido ao fecho das centrais nucleares espanholas. Neste contexto, explica ainda que as centrais a carvão em Portugal irão fechar mais cedo do que o previsto, pois o carvão já não é economicamente competitivo, e perspetiva que os impostos sobre a eletricidade desçam.

“Nos próximos 10 anos, o preço da energia vai descer.”

Quanto ao papel desempenhado pelas cimeiras pelo clima, COPs, o professor refere que “têm sido reuniões cheias de boas intenções”, faltando a vontade política. A não realização da COP em 2020 atrasa os compromissos internacionais necessários, na sua opinião, mas argumenta que este atraso vai permitir ganhar capacidade de reflexão, e poderá ser ajudado por uma mudança política nos E.U.A., termina, entre risos.

Foi um prazer e uma honra realizar este webinar com o Prof. João Peças Lopes, que tão amavelmente partilhou connosco um pouco da sua experiência e do seu conhecimento.